Hoje, exatamente hoje, será iniciada a 5ª Festa Literária Internacional de Paraty – a FLIP, evento que já caminha a passos largos para se tornar mais uma efeméride cármica na minha vida, assim como o extinto Free Jazz e a Anima Mundi. Claro, eu quero dizer com isso que eu e a Thania, mais uma vez, não iremos. Entretanto, desde já estamos envidando sinceros esforços para podermos ir à próxima. Enquanto isso, este blog produzirá, durante o mês de julho, uma série de textos sobre literatura, para marcar a passagem da festa. De minha parte, serão quatro textos descrevendo – e recomendando – livros que eu já li e gostei, separados em quatro temas distintos. Este primeiro, “Os Livros Mágicos”, é sobre meus clássicos pessoais dessa vida. São cinco livros que, de uma forma ou de outra, mudaram um pouco meu jeito de ler e encarar a literatura, livros que eu reli diversas vezes e a cada uma, com uma nova surpresa e que estão entre meus preferidos, daqueles que eu farei questão que meus filhos leiam em idade bem mais tenra do que eu mesmo os li. Contudo, o fato de serem de grande qualidade não é, para mim, aquilo que os une em um mesmo contexto, e sim o fato de serem cinco livros que falam de – e fazem – magia.
Cem Anos de Solidão (1967), obra-prima de Gabriel Garcia Márquez, é uma espécie de hors-concours em qualquer lista de melhores romances do planeta, de tal modo que, certas horas, parece que o mundo se divide entre seus adoradores e os de Ulysses, de James Joyce. “Cien Años”, ao contrário do congênere irlandês – que fala dos acontecimentos de apenas um dia – fala sim, de um século, século onde ocorre a fantástica saga da família Buendía e sua interminável sucessão de Arcádios e Aurelianos. Mas era de magia que falávamos e tudo no livro gira em torno de uma história que, não obstante seja fantásticamente realista, é mágica e traz a mágica insondável da ilusão. Da primeira página, que fala do encantamento do protagonista ao ver o gelo pela primeira vez, até a última página, onde a magia amalgamada por mitos como o cigano Melquíades e a própria cidade de Macondo finalmente se dissipa, como toda ilusão, tudo é uma seqüência mágica de personagens e acontecimentos que traga o leitor e o intruduz nos olhos e nos cenários do livro. Cem Anos de Solidão é um livro que não se consegue tirar da memória, e apesar disso, é uma história que dá vontade de ler repetidas vezes. E mais e mais.
A magia de Cidades Invisíveis (1972), curto romance de Ítalo Calvino é a de ser um livro impossível, uma história sustentada em fatos tão sutis quanto uma lufada de brisa. E é desta sutileza que nasce uma obra que pode ser chamada, sem vergonha ou pejo, de linda. Marco Polo, o explorador e protagonista e o imperador Kublai Khan, seu antagonista na obra, travam um diálogo sublime sobre as cidades que supostamente Polo visitara em suas viagens, cidades femininas, idílicas cidades com nomes de mulher que, por suas qualidades, defeitos ou peculiares características, transcendem a humanidade de seus moradores e se tornam personagens vivas e pulsantes.
Em Ensaio Sobre a Cegueira (1995), José Saramago promete, já na proposição inicial do livro, uma grande mágica. E o leitor não tem mais que duas frases para dizer: – duvido, e Saramago, em um piscar de olhos, faz sumir o mundo, faz sumir a vida, os nomes, os direitos, as possibilidades, as maneiras e o entendimento, até que, por fim, desaparece a própria idéia de ser humano dos personagens. Tudo o que sobra é a mais profunda desumanidade, de onde cada um dos protagonistas terá de tirar uma essência, um hausto de vida. Ensaios Sobre a Cegueira é um livro que produz meta-magias, a comecar por fazer com que os leitores, arrebatados pela impressionante narrativa, esqueçam-se mesmo das dificuldades rotineiras de ler um livro de Saramago. Além disso, o livro tira de uma situação cruenta, abominável e insuportável, momentos de pura poesia. A história do país que contrai – por inteiro – uma irrefreável epidemia de cegueira branca é um livro para olhos atentos e corações abertos.
Agatha Christie, em sua colossal carreira, escreveu muitas obras-primas, cheias de enredos e desenlaces mágicos como os dedos dos prestidigitadores, que fazem aparecer cartas na manga e coelhos das cartolas e que mesmo sendo sabidos falsários, encantam os olhos que se deixam iludir por pura diversão. O Caso dos Dez Negrinhos (1939) não é necessariamente o melhor livro da velha dama do crime. Contudo é uma história que leva a ilusão dos fatos narrados em espelhos até as últimas conseqüências. E tudo sobre um trilho lúdico – os negrinhos da brincadeira de criança – que obscurece a razão mais e mais. E o desfecho é, sem dúvida, um dos mais geniais que a escritora perpetrou, exatamente o desfecho do mágico que não revela o truque (de como criar a mágica), apenas nos faz entender que ela existe e que é maravilhosa.
Tolkien, um pai dedicado, escreveu O Senhor dos Anéis (1955) em cartas para o filho distante. E disso – e de seu imensurável talento – surgiu uma das mais impressionantes obras da atualidade. Tolkien revolveu e modificou todo um inconsciente coletivo no que tange a mitologia. Seus personagens e cenários são até hoje, referência não de outros livros ou filmes, ou RPGs, mas de toda uma imagem mental sobre como deveria ser um mundo mítico de reis, magos, duendes, elfos, dragões e toda sorte de fantasias fantásticas. Quando uma pessoa pensa sobre esses assuntos hoje em dia, está necessaria e atavicamente pensando no mundo criado por Tolkien, mundo inventado em seus detalhes e minúcias. “O Senhor dos Anéis” é a história que magicamente transcendeu o papel e se fez gravar na imaginacão dos homens, mesmo os que nunca a leram. E ler o livro – e eu aconselho lê-lo em sua versão integral – sempre trará novas descobertas. Já tentou escrever seu nome em syndaryn, a língua dos elfos? Pura mágica, da melhor qualidade.
VP, a FLIP também faz parte dos meus programas que um dia irei mas nunca fui. Mas tenho fé. Talvez vá à FLIP antes de percorrer o caminho da Santiago…
Quanto à lista de livros mágicos, muito interessante. Lista é lista e cada um tem a sua. Confesso que estranhei a presença de Agatha Christie no meio dessa turma peso pesado (Tolkien é médio-ligeiro, vá lá). Não que eu não goste dos livros da dama do crime, que são deliciosos, mas mesmo O Caso dos Dez Negrinhos (que é, para mim, o melhor dela sim) não tem a magia dos outros livros que você selecionou. Se você procurar, vai encontrar outro representante mais capacitado…
E aqui estou eu, chato, reclamando da sua lista… E lista, já disse, cada um tem a sua.
Re: Márcio, em termos de Agatha Christie, eu considero o “Caso dos Dez Negrinhos” o terceiro melhor dela, depois dos geniais “O Assassinato de Roger Aycroyd” e “Cai o Pano”. Depois desses três a gente só continua lendo o resto por muito gosto mesmo – o meu caso. By the way, este livro da Agatha Christie entrou na lista por ter sido simplesmente o primeiro policial que eu li na vida, e o livro que me levou a gostar do gênero. Abraços…(VP)
muito bom o post.
deu vontade de fazer igual 🙂
vencer a preguiça!
Re: E esse é só o primeiro de quatro posts… 20 livros, ao final do mês. Beijinho…(VP)
Também acredito que a Flip entrará para a minha lista de eventos nunca idos, da qual o Free Jazz faz parte, mas não o Anima Mundi. Ao contrário, tive a oportunidade de ver Branca de Neve na telona do Cine Odeon, na Cinelândia e, do alto dos meus vinte plus anos, novamente me apavorei com a bruxa e com a fuga de Branca na floresta.
Voltando à Flip, vc não mencionou o que me atraiu mais no evento deste ano: o homenageado é Nelson Rodrigues! Sugiro, se não foi muito abuso, que vc discorra sobre cinco livros dele em alguma das oportunidades.
Quanto aos livros de hoje, aplaudo sua escolha do Caso dos 10 Negrinhos, discordo da escolha do Calvino (As Cosmicômicas dão um banho, em minha humilde opinião) e do Garcia Marquez (ô livrinho chato esse, hein, vou te contar!) e o Saramago e o Tolkien eu me recuso a comentar.
🙂
Achei que cê ia colocar o “Meninos da rua Paulo” nesse pequeno bolo aí…rs
Abração!